The Project Gutenberg EBook of As Farpas (Junho 1883)
by Ramalho Ortigao and Jose Maria Eca de Queiroz

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Title: As Farpas (Junho 1883)

Author: Ramalho Ortigao and Jose Maria Eca de Queiroz

Release Date: June 11, 2004 [EBook #12579]

Language: Portuguese

Character set encoding: ASCII

*** START OF THIS PROJECT GUTENBERG EBOOK AS FARPAS (JUNHO 1883) ***




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[Illustration: ECA DE QUEIROZ RAMALHO ORTIGAO AS FARPAS]

Lisboa--Typ. da Empreza Litteraria Luso-Brazileira--Editora

5--PATEO DO ALJUBE--5

ECA DE QUEIROZ--RAMALHO ORTIGAO

AS FARPAS

_Chronica Mensal_

DA POLITICA, DAS LETRAS E DOS COSTUMES

QUARTA SERIE No.3 JUNHO 1883

LISBOA

EMPREZA LITTERARIA LUSO-BRAZILEIRA--EDITORA

Ironia, verdadeira liberdade. Es tu que me livras da ambicao do poder,
da escravidao dos partidos da veneracao da rotina, do pedantismo das
sciencias, da admiracao das grandes personagens, das mistificacoes da
politica, do fanatismo dos reformadores, da supersticao d'este grande
universo, e da adoracao de mim mesmo.

P.J. PROUDHON.




Carta a sua alteza real o serenissimo principe snr D. Carlos regente em
nome do rei.

SUMARIO

Rasao d'esta carta--Projecto de partida de sua alteza--Pessoas que o
acompanham e pessoas que deveriam acompanhal-o. Eloquente e notavel
parallelo--As instituicoes nacionaes e _As Farpas_--A educacao do
principe. Como elles a fizeram. Como nos a aconselhamos--A instruccao de
sua alteza. Os seus estudos. Os seus livros. Os seus mestres. As suas
convivencias. O seu theor de vida--Intervencao de sua magestade a rainha
na direccao intellectual de seu augusto filho--O principe, o homem, o
cidadao, o alferes, o marinheiro, o conselheiro d'estado--A
viagem--Crise pedagogica--A renovacao mental de sua alteza--De como o
principe deveria proceder n'este momento supremo para dar o que deve ao
throno, a familia, a sociedade e a natureza--Sua alteza porem fara o que
for servido.




LISBOA, 25 DE MAIO DE 1883

SENHOR!

E' de interesse particular mas importantissimo o assumpto que ora nos
traz por meio de carta aos pes interinamente reaes de vossa alteza.

O Sec. 28 do artigo 145 do titulo VIII da Carta Constitucional da monarchia
garante a todo o cidadao o direito de communicar por escripto com o
Poder Executivo, e e d'esse direito que hoje tomamos a libertade de
usar, ao abrigo da lei, aproveitando para tal fim o momento presente, em
que vossa alteza e o chefe temporareo do sobredito Poder, como regente
do reino na ausencia em partes de Castella de seu augusto pae, El-Rey
nosso senhor, que Deus guarde por longos e dilatados annos.

Senhor, ha obra de tres para quatro meses que os papeis publicos nos
deram a boa nova de que vossa alteza iria em breve completar o tirocinio
da sua educacao como principe, como cidadao e como ser vertebrado,
correndo algumas terras e partidas do mundo, como o finado infante snr.
D. Pedro, que Deus em sua santa gloria haja.

Por essa dacta, puzeram as folhas o dedo sobre os nomes de algumas
pessoas, que vagamente se suppunha virem a ser chamadas para acompanhar
vossa alteza em sua peregrinacao de estudo pratico atravez dos homens e
das coisas da civilisacao entre gentes extranhas.

Seguimos as indigitacoes da imprensa acerca do pessoal d'essa embaixada
pedagogica, e sorrimo-nos entre desdenhosos e galhofeiros, pois
abrigavamos a conviccao indestructivel de que os redactores d'_As
Farpas_ eram os cavalheiros naturalmente indicados pela opiniao publica
e pelo consenso geral da corte para a honrosa e ardua missao de que se
tratava.

Effectivamente, Senhor, relanceando os olhos ao passado, e investigando,
atravez do movimento politico e do movimento intellectual do seculo,
quaes as instituicoes nacionaes a cuja campainha tenhamos de tanger para
encontrar os varoes comprovadamente aptos para se incumbirem no momento
presente do honroso encargo de preceptores de vossa alteza, o que e que
vemos?... Ou antes: O que e que vossa alteza ve? Porque, em nossa
acrysolada modestia, nos preferimos perante essa interrogacao
remetter-nos a um silencio discreto, _ponere custodiam ori nostro_, dar
dois passos atraz, curvos e submissos, com os olhos no chao e os claques
debaixo do braco, aguardando tranquillos o real veredictum de vossa
alteza.

Vossa alteza, havendo por bem baixar sua serenissima vista sobre as
instituicoes patrias, ve para um lado as duas camaras, a Sociedade
Geographica, a Universidade de Coimbra e o salao da senhora D. Maria
Kruz; e para o lado opposto, a outra banda, ve vossa alteza _As Farpas_,
quarenta a cincoenta volumes de uma prosa divina, a 200 reis o volume,
que sera a mais bella, a mais pura e a mais duradoura gloria litteraria
do seculo do felicissimo principe, augusto pae de vossa alteza.

Os litteratos vindouros, chamados a illustrar pelo lavor de suas pennas
o reinado de vossa alteza, procurarao a porfia imitar esta obra sublime.
Porem de balde. Porque nada ha mais inimitavel, pela affabilidade do
trato sobretudo, do que o critico no estado benigno de morto. Seremos
pois os classicos da lingua, nos outros, para esse tempo. Seremos os
Vieiras e os Bernardes do cyclo do rei Luiz, o venturosissimo. As
academias archivarao, como preciosas reliquias, a lanterna e o bordao
nodoso com que atravessamos a vida espargindo sobre a terra a luz e as
pisaduras. Vossa alteza, octogenario, coroado de cas, pora os seus reaes
oculos para nos ler aos seus netos, aos quaes vossa alteza dira, batendo
com os nos dos dedos sobre a nossa obra amarellecida e veneranda:

--O velho rei Carlos foi tao bom e tao prasenteiro rei como o principe
seu progenitor, mas faltaram-lhe Curcios e Livios d'esta laia para o
immortalisarem no eterno jubilo das gentes!

E vossa alteza solucara de saudosa magoa sobre as cabecas infantis da
sua prole, considerando-se um monarcha desditoso por que na vasta
perspectiva do seu reinado lhe faltou a projeccao grandeosa d'esta obra
cathedralesca.

Queira vossa alteza ir sempre seguindo, por partes.

Que e que as duas camaras do parlamento teem botado durante o decurso
dos ultimos quinze annos em beneficio da educacao de vossa alteza ou da
educacao d'alguem que seja n'este mundo?

Nada, serenissimo senhor! pela palavra nada!

Hade ter constado por certo a vossa alteza o que elles ainda ultimamente
fizeram com um projecto de lei sobre a instruccao secundaria, o qual
Thomaz Ribeiro, esse bem-quisto vate, ministro de vossa alteza e
porta-alaude da sua corte, arrancou a ferros das entranhas da musa para
o mandar para a mesa como uma especie de gemea administrativa da
_Delphina do mal_.

Como vossa alteza nao era a esse tempo regente soberano do reino, e se
achava ainda entao sob o dominio da auctoridade paterna, nao sabemos se
lhe teriam permittido a leitura d'esse debate ...

Foi uma coisa enorme, respeitavel senhor!

Um queria que lhe abolissem o latim, lingoa morta e ma lingoa,
sevandijada de verbos exquisitos, como _sum-es-fui_ e outros que taes; e
em substituicao pedia _disciplina psychologica_, que era para os rapazes
ficarem bem ao facto da alma humana. E voltando-se para a meza, o orador
berrava:

--Eu ca, snr presidente, nao me importa com Tito Livio, nem me importa
com ninguem n'este mundo. Alma e mais alma para cima do alumno, que e do
que os rapazes precisam para ir para leis!

Outro queria religiao, porque sem religiao o que e o homem? O homem sem
religiao e, com licenca, um bruto. E citava Renan que fora visinho
d'elle em Paris e que nao era bruto. Porque? Porque tinha temor de
Deus,--de noite, as escondidas, em casa. O orador soube-o pela porteira
do predio.

Houve um deputado que insistiu em que se affastasse o publico dos
lyceus, porque muita canalha junta nao aprende nada. Um menino ate dois
e o dado para os mestres todos se concentrarem e fazerem uma educacao
capaz.

Houve mais um que pediu institutos de instruccao secundaria para a
mulher, pela rasao de que, segundo elle, se tornava mister que a mulher,
_que e ja a rosa, fosse tambem o perfume_. Textual!

E houve ainda um outro que, abundando nas ideias do precedente, exclamou
enternecido, com os olhos em alvo: _E indispensavel, snr. presidente,
que os dois sexos, o masculino e o feminino, caminhem na senda do futuro
ao lado um do outro, de maos dadas_. Egualmente textual!

Emfim, ao cabo de vinte dias de discussao, a decencia obrigou a agarrar
no projecto pelas orelhas e a leval-o de rastos para a camara dos pares;
mas como esta camara o nao quiz por coisa nenhuma do mundo, o ministro
das _Flores d'alma_, e do Reino, levou-o para casa no louvavel intuito
de o por em verso. E consta agora que o vao aproveitar sob a forma de
magica no theatro de D. Maria.

Logo depois da instruccao publica nao viu vossa alteza como elles
pegaram n'uma questao d'arte?!...

Lembra-se um de fallar no leilao do diplomata Zea Bermudez, o qual
reunia as qualidades do mais excellente homem uma pequena colleccao
d'arte com _quatro potes etruscos_.

Ao ouvir fallar pela primeira vez durante toda a sua longa carreira
parlamentar em quatro potes etruscos, a camara e o governo embasbacaram
por um momento, mas recahindo immediatamente em si com maravilhosa
presenca de espirito, camara e governo menearam as cabecas
familiarmente, como se cada um dos legisladores nao tivesse feito desde
muito pequeno outra coisa senao jogar a pucara com potes d'esses.

Houve um assentimento geral na assembleia, e os gestos e as vozes
exprimiram com unanimidade:

--Oh! sim!... os potes etruscos ... conhecemos perfeitissimamente!

--O paiz, snr presidente, nao pode consentir que preciosidades de tao
inestimavel valor artistico saiam do reino para ir enriquecer os museus
extrangeiros!...

--Appoiado! appoiado!--opinou o snr presidente do conselho, convicto e
subitamente illuminado pela providencia como um vidente da Etruria em
potes.

E a camara em peso, por todos os votos menos um, votou um credito
supplementar de 5 contos de reis. Para que, senhor? Para proteger a arte
nacional, que nem tem escolas, nem mestres, nem discipulos, nem modelos,
nem livros, nem coisa nenhuma, alem do snr. conde de Almedina, e a qual
a camara, ao cabo de vinte annos de esquecimento ou de desdem, se lembra
de patrocinar afinal com 5 contos extraordinarios! Cinco contos por
quatro cacos feiissimos, meu rico senhor!... por quatro potes, que uns
dizem que foram feitos em Pompeia, e outros que foram feitos nas Caldas
antes da vinda de Christo, e que, em todo o caso, admittindo-se mesmo
que houvessem sido feitos ha muito mais tempo e muitissimo mais longe,
so seriam de alguma utilidade aos artistas se lh'os dessem cheios de
compota de marmelo ou de conserva de pimentos com cenouras!

Tal e a camara, o serenissimo principe!

E a Geographica pode vossa alteza crer que e outra que tal. A sabia
corporacao da rua do Alecrim nao passa de um parlamento como o de S.
Bento, com a differenca de que, em vez de ser electivo, e de
assignatura, a cinco tostoes por mez, e n'elle a rhetorica e consultiva
em vez de ser deliberante. E a camara ou a ante-camara dos aprendizes a
deputados e a ministros; e o vitello mamao de que a representacao
nacional e o boi gordo.

Na primeira quinta feira de despacho digne-se vossa alteza ordenar que o
trinchante mor da real casa lhe raspe bem raspado um dos seus ministros
e lh'o sirva sem casca: ahi esta o geographo.

Encasque-se o geographo: eis ahi o ministro.

Sobre a Universidade corramos o veu da pudicicia. O mesmo governo,
considerando recentemente a influencia deslumbrante que esse luminoso
foco do saber exercia sobre a imaginacao da mocidade, deliberou com
prudencia applicar-lhe um apagador. A respeito de ensino--disse em
portaria o snr ministro do reino ao reitor d'aquelle instituto de
instruccao--o melhor e por-lhe ponto. E assim se fez, com regosijo e
applauso geral dos doutos.

Resta-nos o _drawing-room_ da senhora D. Maria Kruz.

Este centro intellectual esta indubitavelmente acima de todos os outros
e exerceu na educacao nacional uma influencia doce e benefica. E certo
que durante muitos annos foi pela escada tapetada da _Abbaie aux Bois_
presidida por essa dama, e nao pelos degraus sordidos da sociedade
geographica, que os litteratos, com algum stylo e pera, iam a deputados
e iam a ministros.

A esta intervencao senhoril, que por algum tempo deu a politica
portugueza uma leve atmosphera de delicadeza e de graca, um fugitivo
_odore di femmina_, se deve o accordo que se fez em alguns caracteres
entre a avidez das ambicoes e o respeito pelas escovas d'unhas.

De resto ha para todos os effeitos uma differenca consideravel entre o
entrar na vida dando o braco a uma senhora, e o entrar levado em charola
pelo snr Pequito e pelo snr Luciano Cordeiro.

A senhora D. Maria Kruz abdicou porem ha muito tempo da influencia da
sua amabilidade perante o prestigio politico d'esses dois geographos
fura-vidas, e contenta-se hoje em offerecer a sua antiga corte a
amisade, a conversacao e o cha das suas quintas-feiras.


Toda essa gente, no fim de contas, se tem importado tanto com vossa
alteza como com minha avo torta. Ao passo que _As Farpas_ desde o
primeiro dia da sua existencia ate hoje jamais desfilaram os olhos
desvelados e respeitosos dos interesses da real familia, em geral, e
muito em especial dos de vossa alteza serenissima.

Era vossa alteza um baby, da altura de uma bengala, quando seus
illustres paes, vilmente illudidos por indignos conselheiros, appareciam
com vossa alteza nos sitios publicos apresentando-o aos povos em traje
de mascara, ja de coronel de comedia, ja de tabeliao de entremez.

De uma vez levaram-o as corridas de cavallos vestido de funccionario
publico: calca ate abaixo, apolainada em cima dos botins apiorrados,
jaquetao, collarinho alto, chapeu redondo, grilhao de ouro no relogio e
luva branca. Vossa alteza podera fazer uma ideia da figura que estava
dignando-se de olhar por um binoculo as avessas para o prior da Lapa.
Era aquillo em louro, sem a coroa e sem o annel liturgico.

_As Farpas_ protestaram com energia, clamando em stylo vehemente que
vossa alteza tinha direitos inilludiveis a nao ser confundido por meio
dos nefandos artificios do algibebe da corte com um padre pequeno. Que
vossa alteza era o herdeiro presumptivo de um sceptro; nunca o de um
cachucho de pregador! Que mais nobre do que essa vestimenta seria a pura
nudez com a decencia apenas garantida pela antiga folha de vinha ou por
um simples phyloxera.

_As Farpas_ aconselharam que vestissem vossa alteza sensatamente, de
flanella, meias de la, knickerbokar, blusa, collarinho chato, e sem
luvas.

Hoje, que vossa alteza e um homem, deixamos ao seu juizo emancipado o
decidir quem tinha razao: se os aulicos conselheiros da guarda-roupa de
vossa alteza, se nos, seus criticos.


Mais tarde quando vossa alteza penetrou nos dominios da instruccao
secundaria, e que de Coimbra foi chamado por cartas regias o mestre de
hebraico Joaquim Alves Sousa para o fim de vir ler a vossa alteza Logica
e Rhetorica, _As Farpas_ apoderaram-se solicitas e velozes d'esse
sapiente caturra, e provaram por meio de argumentos irrespondiveis que
era abusar da submissao de um jovem principe, innocente e ingenuo, o por
defronte d'elle, sob o pretexto de o instruir, esse agoirento mocho,
pilhado na lobrega escuridao da metaphysica universitaria, e posto na
Ajuda, com a borla doutoral a um lado e o comedouro do rape ao outro, a
explicar as regras do enthimema, do epicherema e do sorites, e bem assim
o emprego da synedoche, da antonomasia e da catachrese.

Apesar de todas as nossas objeccoes, esse nefasto humanista amargurou os
dias preciosos de vossa alteza, procurando cavilosamente fazer-lhe
acreditar que o epicherema era tao indispensavel ao homem como o proprio
pao.

Se tinhamos rasao ou nao sabe-o hoje muito bem vossa alteza, que e homem
ha uns poucos d'annos sem ter precisado nunca ate hoje nem do epicherema
nem do sorites nem de coisa alguma d'aquellas com que por tanto tempo o
estopou, sem proveito para ninguem, esse semsaborao tremebundo, seu
mestre.

Quando foi da nomeacao do snr conselheiro Viale, do snr Martens Ferrao,
do snr Santa-Monica, _As Farpas_ intervieram de novo, constatando que a
educacao de vossa alteza nao era precisamente a piscina da pudica
Susana, para assim a rodearem em grupo mythologico de todos os velhos
bar-bacas aposentados da magistratura e da academia.

Os resultados confirmaram quanto por essa occasiao predissemos. Os
pedagogos de vossa alteza educaram-o dentro da virtude mas fora da
natureza, fazendo de vossa alteza uma especie de rosiere de Nanterre,
cuja vida tivesse por fim servir de assumpto a um romance coroado pelas
sociedades sabias e destinado a conferir-se em premio de animacao as
engommadeiras virtuosas.

Conhece vossa alteza a _Educacao de um principe_, de Edmond About?
Recommendamos-lhe com empenho a leitura d'essa obra tao importante aos
principes como o proprio livro de Machiavel.

Em licao digna das nossas mais graves meditacoes, About mostra-nos a
tragica situacao do principe Paulo no primeiro dia do seu noivado.

E alta noite. Findaram as festas do hymeneu em palacio. O monarcha
agradeceu n'um bem elaborado speech as manifestacoes geraes do regosijo
da corte por occasiao do feliz consorcio do principe herdeiro,
applaudindo incondicionalmente as dancas e as cantatas, e queixando-se
apenas de pouca pimenta nos molhos mediocremente incendiarios do real
banquete. Os musicos, desencanudadas as flautas, mettido o rabecao na
caixa, e confiados os timbales ao moco da real capella, haviam-se
retirado a seus tugurios. Os aulicos resonavam enconchados nos catres da
regia mansao. E o commandante da companhia dos vivas, incumbido,
mediante a esportula de 3:200 e jantar, de fazer de Povo nos dias de
gala, havia terminado os seus trabalhos; o rei, com sua natural
affabilidade, havia-lhe dito commovido, batendo-lhe no hombro e
metendo-lhe na mao os 3:200: _Obrigado, meu povo!_ e elle, com o
vozeirao restaurado por duas gemadas, partira a pressa para ir levantar
os vivas a Republica n'uma manifestacao de provincia para que estava
escripturado.

Tudo pois era silencio e trevas no regio alcacar, quando o monarcha se
ergueu, de chambre e chinelas, no louvavel intuito de espairecer dos
duros encargos da publica governacao espreitando um momento pela
fechadura da porta da camara nupcial do principe Paulo e da princeza
Margarida. N'isto, ao atravessar na escuridao o salao de baile, mudo,
apagado e deserto, catrapuz! Era o rei que ia de coroa para baixo e de
chichelos ao ar por cima de um _fauteil_, encambulhado n'um homem que
dormia sentado ali assim. Gritos de pavao do monarcha aterrado, e
cortezaos em ceroulas que chegam com luzes. Descobre-se que o rei cahira
por cima do principe real, que estava noivando sosinho n'uma cadeira com
o chapeu de bicos na cabeca, abracado a espada dos reis seus avos.

--Que faz voce aqui, seu estupido?--lhe perguntou o monarcha com voz
acre.

--Eu nano--respondeu o principe sorridente e doce.--Como a princeza
Margarida me disse que ia nanar para a sua camara e como eu agora nao
tenho camara para nanar, vim nanar para esta cadeira.

--Chamem os mestres de sua alteza!--bradou o rei iracundo, com um gallo
na testa e com os bracos cruzados no peito.

Um momento depois, como os trez pedagogos comparecessem a real presenca,
enrolados a pressa nas togas do professorado, de barretes de dormir, com
as competentes pennas de pato aparadas da vespera e mettidas atraz das
orelhas, o rei disse-lhes:

--Esse jumento que ahi esta, (e estendendo o seu dedo magnimo, com um
largo gesto antigo indicava o principe, vestido de general, de esporas e
chapeu armado, que bocejava encostado ao sabre de seus antepassados)
esse real jumento ignora completamente os deveres mais rudimentares de
um principe para com a sua princeza. E e para isto que eu tenho tido
aqui a engorda durante quinze annos tres burros de tres mestres!... Ora
muito bem: vou deixar-vos a sos por espaco de cinco minutos com tao
repulsivo idiota. Se ao cabo de cinco minutos, contados pelo relogio,
elle nao estiver ao facto d'aquillo que todo o homem de barbas na cara
deve saber para nao vir para aqui a estas horas _nanar_ n'uma cadeira,
decapito-vos a todos trez esta noite como quem decapita pelo entrudo
tres perus gordos e emborrachados!

Uma vez a sos com o real alumno, os tres pedagogos cahiram em desfeito
pranto nos bracos uns dos outros, porque nenhum d'elles sabia nem se
lembrava de haver jamais lido nos auctores coisa alguma relativa aos
_deveres mais rudimentares dos principes para com suas princezas_.

Quando vossa alteza se dignar de passar um exame sobre esta materia aos
seus pedagogos, pedimos, senhor, e ousamos esperar da vossa clemencia,
que a pena ultima lhes seja commutada.

Piedade, principe, piedade!


Quer vossa alteza mais provas da desinteressada solicitude com que _As
Farpas_ teem sempre velado com diurno e nocturno olho sobre o prestigio
de tudo quanto mais directamente se relaciona com a sua pessoa, com a
sua familia, com a sua corte?...

Compulse vossa alteza essa colleccao immarcescivel e a cada momento
encontrara n'ella os conselhos mais amigaveis e mais justos, sobre as
maneiras, sobre a _toilette_, sobre a linguagem, sobre a etiqueta do
palacio; acerca dos discursos da coroa, dos uniformes, das libres, dos
cavallos, das carruagens, dos bailes, dos jantares, das viagens, das
cacadas, das recitas de gala, das revistas militares, etc.

Quem foi que mais ardentemente pugnou para que nao pegasse a vossa
alteza e a seu augusto irmao a alcunha piegas dos _cabecas louras_ e dos
_louras creancas_, que lhes puzeram os noticiaristas?

Quem mais do que nos se esforcou em obstar que sua magestade a rainha
cahisse, sob a antonomasia de _anjo da caridade_, nos logares communs da
rhetorica sordida de procissao e do fogo preso, de bambolim de murta e
de peixe frito?...

Nao faremos a vossa alteza a injuria de o suppor assaz destituido de bom
gosto para nao comprehender quanto a notoriedade, levada ate esse ponto
de incontinencia, melindra e emurchece aquella delicada e fina flor do
recato, que e a mais bella joia das princezas que bebem silenciosamente
e heroicamente a vida na obscuridade inviolavel, como a imperatriz da
Allemanha, por exemplo, ou a imperatriz do Brazil.

Por todos estes titulos julgavamos nos ter a certeza de ser os
individuos chamados a acompanhar vossa alteza na sua viagem de
instruccao.

Quando ultimamente lemos nas gazetas os nomes dos snrs Antonio Augusto
d'Aguiar e Martens Ferrao, em vez dos nossos, aquelle que escreve estas
linhas telegraphou a Eca de Queiroz nos seguintes termos:

_Eca de Queiroz--Lawrence's Hotel--Cintra. Diga se recebeu rei convite
ir extrangeiro principes, e se vae._

E recebemos a seguinte resposta:

_Ramalho Ortigao--Caetanos--Lisboa. So recebi Alberto Braga convite ir
Collares burros, e nao vou._

Havieis-nos pois lancado a ambos ao ostracismo ... Maldicao e prudencia!

O preclaro major Quillinan, que tao galhardamente defendeu ha pouco a
honra nacional publicando no _Morning-Post_ uma bisca contra o
detestavel Brigth, annuncia agora e faz publico que, visto o governo de
sua magestade fidellissima nao haver prestado a consideracao devida ao
feito alludido, elle, major Quillinan, nao mais volvera a soccorrer-nos
nas molestias de Brigth. Brigth tem d'ora avante o rim da gente as
ordens. Tripudie sobre elle a capricho, que o major Quillinan da
licenca! A camara dos commus pode desde hoje beber-nos o sangue a
vontade, que o bebe por conta do lavrador.

Regala-te para ahi, o vibora sedenta!

Nos porem, senhor,--como se diz na "Vie Parisienne"--_nao somos esse
major_.

Vamos pois dar a vossa alteza n'este momento decisivo e solemne os
derradeiros conselhos que a nossa dedicacao a vossa alteza nos inspira,
para que a todo o tempo se nao diga que um mesquinho despeito nos
reduziu n'esta suprema contingencia a um silencio criminoso,
sarocoteando-nos cynicamente no vil mutismo, como dois peixes vermelhos
dentro de uma redoma cheia d'agua, emquanto vossa alteza caminha para o
abysmo, levado ao extrangeiro, como quem leva uma retorta, pelo nefando
chimico snr Antonio Augusto d'Aguiar.

Fomos vilmente preteridos--e certo--por esse cavalheiro ... Um chimico,
senhor! um perfumista desaproveitado! um baldroqueiro de drogas! um
troquilha de liquidos de laboratorio, nojosos e peconhentos! Alem
d'isso, um gordo descommunal, um gordo inverosimil! um d'estes gordos
que nao passam as alfandegas sem que as apalpadeiras venham e lhe ponham
o visto! um gordo que vae alarmar a Europa, e que vossa alteza, em justa
satisfacao da curiosidade dos povos, se ha de ver forcado a exhibir a
avidez do publico na feira de Saint-Cloud ou na feira _au pain
d'epices_, a dois sous por cabeca. Elle, do alto de um estrado, dira a
Franca:--_Messieurs! je suis jeune fille, je suis nee a Marseille, j'ai
seise ans, je pese 150 kilos, tatez mon mollet, S.V.P_!

E vossa alteza, de casaca e gravata branca, piscando o olho ao povo, com
malicia, tera de acrescentar:

--_Il n'y a pas de coton la dedans, messieurs!_

Elle demais a mais usa uma luneta forrada de cautchu ...

E e este homem que vae ser o real olheiro de vossa alteza atravez do que
ha que ver por esse mundo!

Um olheiro, de galochas de borracha na vista!

Um olheiro que vae para ver tudo e que a si mesmo se nao viu nunca senao
ate metade do ventre, porque da outra metade ate os pes principia para o
seu raio visual o hemispherio do grande indecifravel, do eterno
incognoscivel!

Que, pela nossa parte, tome vossa alteza nota que nao pretendemos
sensurar ninguem! Uma vez que os paes de vossa alteza decidiram que esse
cavalheiro nos devia substituir para o acompanhar, nos nao temos que
dizer senao que vae muito bem acompanhado. Vae lindo! Nao haja duvida
nenhuma que vae perfeito!

E todavia e possivel que o veneravel sabio venha a abusar um pouco do
algebrismo technico da sciencia que tao gloriosamente professa e que,
quando vossa alteza o consulte sobre o _menu_ da sua ceia no cafe
Anglais ou sobre o governo do seu _cob_ na Avenue des Potins, elle lhe
responda pela formula KO+2S0 cubed, ou KO,2S0 cubed, a qual formula nao e
precisamente a da elegancia mais garantida, posto que seja, sem questao
alguma, a do bissulfato de potassa.

Antes de entrarmos agora na ordem dos conselhos que o nosso mister de
criticos nos impoe o dever sagrado de ministrar a vossa alteza,
consideremos por um momento o estado presente da educacao que vossa
alteza vae concluir na sua proxima viagem.

Um jornal insuspeito, o _Commercio de Portugal_, resume o programma
d'essa educacao no seguinte quadro:

_"Conhece o principe o latim, francez, inglez, italiano, allemao,
hespanhol, e estuda o grego. Faz com muito aproveitamento o curso de
humanidades; tendo ahi principalmente alargado os estudos sobre a
historia universal e patria. Estuda um curso regular de sciencias
naturaes e mathematicas. Nas sciencias sociaes, que pode-se dizer
constituem a_ SCIENCIA DO GOVERNO _para um principe, o curso de
disciplinas seguido por sua alteza tem sido o seguinte, que indicamos
mais desenvolvidamente por entendermos que muito interessa saber-se.

Comecou pelo estudo aprofundado da philosophia, especialmente dirigido
para o estudo superior da philosophia do direito.

Em 1878 comecou os estudos de philosophia racional e moral, e historia
systematica da philosophia.

Preparado assim, comecou em seguida o estudo de direito natural ou da
philosophia do direito. Passou depois a estudar o direito publico
interno e politico;--direito constitucional portuguez; e historia tanto
antiga como moderna das instituicoes politicas da nacao; organisacao da
administracao publica em Portugal nos seus differentes ramos; leitura e
explicacao do codigo administrativo e das leis eleitoraes.

Estudo comparado das instituicoes politicas das principaes nacoes cultas
e analyse de seu systema eleitoral.

Parallelamente e em licoes alternadas, sua alteza seguiu o estudo
sistematico da historia do direito publico da Europa, seguindo como base
a notavel obra "Le droit public et l'Europe moderne," do Vicomte
Lagueroniere.

Estudos dos principaes tratados porque foi alterada a carta e a
organisacao politica da Europa desde os tratados de paz de Westphalia
ate a actualidade.

Estudo dos trabalhos do conde de Cacour sobre a organisacao do reino de
Italia, e da correspondencia diplomatica mais importante sobre os
grandes acontecimentos politicos contemporaneos, seguindo esse estudo
pela excellente colleccao dos_ ARCHIVES DIPLOMATIQUES _.

Estudo dos principaes tratados diplomaticos de Portugal com a
Inglaterra; tratado de Bombaim 1661; tratado de Metwen 1703; tratados
d'allianca e de commercio de 1810; tratados da quadrupla allianca 1834;
tratados para a repressao do trafico de 1817 e 1822, e tratado de
commercio d'este mesmo anno.

Terminado o estudo especial do direito publico interno, e parallelamente
ainda com o estudo das disciplinas, que ficam indicadas, comecou sua
alteza a estudar o curso de Direito Publico Internacional, segundo uma
introduccao dos principios, que dominam este ramo importante da sciencia
do direito, e da theoria das nacionalidades, seguindo depois o estudo
especial sobre o_ DROIT INTERNACIONAL CODIFIE, _de Bluntschli, 1880._

Sua alteza esta ainda cursando estas disciplinas.

Em maio de 1872, comecou sua alteza conjuntamente com o estudo do
direito publico internacional o curso de economia politica, seguindo
especialmente o_ TRAITE D'ECONOMIE POLITIQUE SOCIAL, _de Joseph Garnier
(1880), comprehendendo muito especialmente o estudo do systema
fiduciario nas differentes nacoes, e dos caminhos de ferro e canaes,
como meios economicos.

Actualmente em seguimento a economia politica, estuda a sciencia de
fazenda segundo o_ TRAITE DES FINANCES, _de Joseph Garnier (1883) com
applicacao a organisacao de Portugal.

Para complemento do plano de estudo de sciencias sociaes, que foi
adoptado ainda faltam outras disciplinas. N'esse estudo, e nos outros,
continuara sua alteza finda que seja a sua viagem.

Com licoes de duas horas, e com uma exacta applicacao, o principe tem
podido vencer os estudos difficeis e variados, que ficam indicados.

Assim educam os reis de Portugal os seus filhos."

E claro que estas informacoes procedem directamente do paco. Tudo o
comprova: as datas, os titulos dos compendios e as suas edicoes, a ordem
detalhada dos estudos, as horas de licao, etc. Estamos por tanto em
frente de um testemunho authentico, de um documento historico.

Analysemol-o.

Vossa alteza e bastante moco ainda e bastante robusto para que o seu
cerebro haja resistido as influencias d'esse regimen aniquilador de toda
a intelligencia.

Note pois vossa alteza, em primeiro logar, a lingoa de preto em que esta
redigida esta exposicao.

Para dizer uma coisa tao simples, o stylo do mestre de vossa alteza
rabeia na confusao mais contorcida e mais comichosa, em lucta com a
pobresa de um vocabulario estreitissimo, de creada de servir. _Comecou
pelo estudo aprofundado ... Depois comecou os estudos de philosophia ...
Comecou em seguida o estudo do direito ... Parallelamente seguiu o
estudo systematico ... seguindo como base, etc._ Mas, Deus piedoso! isto
nao e escrever, isto e cocar-se. Quem nao pode exprimir-se melhor e que
vae ter furunculos, e nao deve escrever, deve tomar salsa parrilha.

Para julgar um tal plano de estudos, basta que vossa alteza um dia, as
escondidas d'esses senhores, abra um livro de um pedagogista, seja qual
for. Em qualquer artigo de encyclopedia vossa alteza lera, de resto, que
o fim da educacao e preparar o homem para a mais perfeita felicidade
d'elle mesmo e para a felicidade dos seus similhantes em virtude da sua
adaptacao mais fecunda ao meio physico, ao meio economico, ao meio
politico, ao meio esthetico, ao meio moral. Na parte relativa aos
conhecimentos, ou a instruccao propriamente dita, a educacao tem por
objecto fazer-nos conhecer as manifestacoes ou os phenomenos do
universo, principiando naturalmente por estabelecer as diversas
categorias em que esses phenomenos se dividem. _O cathecismo da doutrina
do real_, (citamos o que ha de mais elementar), reduz succintamente
todos os phenomenos que a educacao tem por fim submetter a nossa
investigacao as seis ordens seguintes:

1.--Os phenomenos da quantidade, da forma, da extensao e do movimento,
ou phenomenos _mathematicos_.

2.--Os phenomenos do movimento dos astros, da sua dimensao, das suas
distancias respectivas etc., ou phenomenos _astronomicos_.

3.--Os phenomenos do calor, da luz, da electricidade, do magnetismo, da
acustica, ou phenomenos _physicos_.

4.--Os phenomenos de combinacao e de decomposicao, ou phenomenos
_chimicos_.

5.--Os phenomenos proprios aos seres vivos, ou phenomenos _biologicos_.

6.--Os phenomenos do desenvolvimento das sociedades, ou phenomenos
_sociaes_.

Entre estas diversas ordens de phenomenos ha uma correlacao de
dependencia successiva. De sorte que se nao podem conhecer os phenomenos
da 6.ª categoria sem conhecer as da 5.ª; nao se podem conhecer as da 5.ª
sem conhecer as da 4.ª; e assim por diante.

Nao se aprende a astronomia e a physica terrestre sem nocoes
mathematicas. Nao ha chimica sem uma constituicao anterior da physica.
Nao ha phenomeno vital que se comprehenda sem o conhecimento previo da
synthese chimica. Nao ha finalmente facto social que se defina
scientificamente sem o conhecimento da synthese biologica.

As sciencias cujas leis regem os phenomenos dos differentes grupos a que
nos referimos acham-se hoje constituidas e chamam-se as sciencias
fundamentaes.

Cada uma d'estas sciencias se estuda por um methodo que lhe e privativo
e a que corresponde o desenvolvimento progressivo das nossas faculdades.
Assim o methodo das mathematicas e o do _raciocinio_ por deduccao; o da
astronomia e a _observacao_; o da physica e a _experiencia_; o da
chimica e a _analyse_; o da biologia, assim como o da anthropologia, ou
biologia applicada ao homem, e a _comparacao_; o da sociologia e a
_observacao critica_ e a _filiacao historica_.

A enunciacao d'esta ordem hierarquica dos conhecimentos deve-se a
Augusto Comte; e esta e a parte da doutrina d'esse poderoso renovador da
mentalidade humana que ninguem ate hoje discutiu nem contestou nas
grandes linhas geraes. Esta methodisacao e tao clara, tao consistente e
tao fecunda, que nao ha hoje systematisador que a nao adopte como a mais
segura das chaves para a coordenacao das ideias.

Emquanto a applicacao d'este principio a educacao diz Spencer:

"Que na educacao se deve proceder do simples para o composto e uma
verdade sobre a qual em certa medida todos se fundam. O espirito
desenvolve-se. Como todas as coisas que se desenvolvem, elle progride do
homogeneo para o heterogeneo; e como um systema normal de educacao e a
contraposicao objectiva d'essa marcha subjectiva, deve conter a mesma
progressao. Esta formula assim interpretada tem um alcance muito maior
do que a primeira vista parece; porque o seu principio implica nao
somente que temos de proceder do simples para o composto no ensino de
cada um dos ramos da sciencia, mas que outro tanto devemos fazer com
relacao ao conhecimento total. Como o espirito nao comeca por dispor
senao d'um pequeno numero de faculdades activas, e que as faculdades
desenvolvidas mais tarde entram successivamente em accao ate chegarem a
funccionar todas simultaneamente, segue-se que o ensino nao deve abracar
primeiro senao um pequeno numero d'objectos, successivamente
accrescentados ate que se comprehendam todos. Nao e somente na
especialidade que a educacao deve proceder do simples para o composto, e
tambem no conjuncto."

Em seguida Spencer accrescenta, de accordo com todos os pedagogos
modernos, que a educacao da creanca deve concordar no modo adoptado e na
ordem seguida com a educacao da humanidade considerada historicamente. A
genese da sciencia no individuo nao pode seguir uma marcha differente da
genese da sciencia na raca. E n'este ponto Spencer invoca o nome de
Comte e curva-se respeitosamente deante d'elle, porque a ordem
positivista dos estudos corresponde exactamente a evolucao dos
conhecimentos na humanidade, a qual principiou por investigar os factos
cosmologicos e inorganicos mui longo tempo antes de attender as leis
biographicas e a vida historica da especie.

Vejamos agora a luz d'estes principios como os pedagogos de vossa alteza
regularam a distribuicao dos conhecimentos que foram incumbidos de
ministrar-lhe.

_Sua alteza_--diz a informacao que analysamos--_comecou pelo estudo
aprofundado da philosophia_.

Esta simples proposicao inicial basta pelo seu profundo alcance
pathologico para sobre ella se diagnosticar a inepcia verdadeiramente
tragica que presidiu a educacao intellectual de vossa alteza.

Principiar pela philosophia!!

Mas a philosophia e precisamente a ultima das coisas que se ensinaria a
um homem, se a philosophia fosse coisa que se impuzesse a alguem pelo
dogmatismo dos mestres.

O que e uma philosophia senao um systema de leis, deduzidas pelo
espirito de cada um da confrontacao das causas e dos effeitos dos
phenomenos physicos e dos phenomenos moraes, e destinadas a fazer-nos
prever, a mais longa distancia da nossa comprehensao pessoal, o destino
do homem no gremio da sociedade e no seio da natureza?

Como e pois que alguem emprehende crear um philosopho de um menino de
instruccao primaria, fazendo-o systematisar pelas altas e subtis
correlacoes de causa e effeito um conjuncto de phenomenos, que elle nem
sequer conhece na sua funccionalidade concreta, quanto mais na
abstraccao psychologica de fim e de origem?

O principio fundamental de todo o systema de educacao e de ensino
e--como ja vimos--que, sempre e invariavelmente, se proceda dos factos
particulares para as leis geraes e das leis geraes para as leis de
applicacao.

Como e entao que a vossa alteza ensinaram leis de applicacao sem o
conhecimento previo das leis geraes e sem o conhecimento anterior dos
factos particulares?

Que especie de philosophia e esta que vossa alteza aprendeu, tao
extranhamente e tao miraculosamente como poderia ter aprendido a leitura
sem o conhecimento das letras ou a arithmetica sem a nocao dos
numeros?...

E a _instauratio magna_ de Baccon? E o scepticismo systematico de
Descartes? E o metaphysismo de Hobbes e de Leibnitz? E o deismo de Locke
ou o de Voltaire? E o sensualismo de Spinosa ou o de Condillac? E o
scepticismo de Berkeley? E o materialismo de Holbach ou de La Mettrie? E
o encyclopedismo de Condorcet? E o sentimentalismo de Rousseau? E o
idealismo de Kant e de Hegel? E o pessimismo de Hartmann e de
Schopenhauer? E o eclectismo do snr Cousin? E o revolucionismo de
Proudhon? E o objectivismo de Stuart Mill e de Herbert Spencer? E o
evolucionismo de Darwin? E o positivismo de Comte ou de Littre?

A informacao que tao opportunamente baixou da aula de vossa alteza a
redaccao do _Diario de Portugal_ arranca o nosso espirito perplexo a
esta cruel duvida.

Diz-nos esse papel precioso que a philosophia que vossa alteza aprendeu
e a _philosophia racional e moral_.

Ora, como vossa alteza talvez sabe, todo o termo affirmativo implica a
negacao de um termo contrario. Assim quem diz uma philosophia
_objectiva_ ou uma philosophia _materialista_, da a perceber d'esse modo
que ha uma philosophia _subjectiva_ e uma philosophia _espiritualista_,
mas que nao e d'essas que se trata.

Os pedagogos de vossa alteza, insinuando-lhe que e _racional e moral_ a
philosophia que lhe ensinam, deixam entender que ha tambem uma
philosophia _immoral_ e uma philosophia _irracional_, opposta a essa. E
triste o pensar que vossa alteza esta desde de 1878 a estudar uma coisa
que se convertera n'um systema de _irracionalidade_ e n'uma doutrina de
_desmoralisacao_ desde que vossa alteza se de ao ligeiro trabalho de
virar pelo avesso a tal coisa que lhe ensinaram.

O programma que tem regulado a instruccao de vossa alteza accrescenta
que vossa alteza tem estudado essa philosophia na _direccao do estudo
superior da philosophia do direito_, e que _assim preparado comecou em
seguida o estudo do direito natural_.

Perante uma tao espantosa affirmativa deitamos abaixo das estantes todos
os livros de "direccao philosophica" desde a mais remota antiguidade ate
os nossos dias.

Interrogamos avidamente as tradicoes egypcias do tempo das dynastias
pharoonicas, contemporaneas das pyramides e anteriores de quatro mil
annos a era de Christo, os vestigios que restam dos papyrus do _Ritual
funerario_ e do _Livro dos mortos_.

Interrogamos quanto se sabe ao presente da passagem no tempo e no espaco
da philosophia chineza do _Y-King_ e do _Chou-King_.

Inquirimos tambem, posto que com mais reserva, bem entendido, quanto se
deslinda para a especulacao philosophica dos mythos e dos emblemas
indecentes das religioes e das liturgias phallicas da Chaldea e da
Syria.

Relemos com olho pressuroso, e manuseamos com mao nervosa e ligeira tudo
quanto o snr Vasconcellos Abreu tem feito a merce de nos communicar a
respeito dos systemas philosophicos e mais systemas dos Aryas.

Consultamos Thales de Mileto e Democrito, Socrates e Platao,
Aristoteles, Zenon e Epicuro, Pomponacio e Averroes, todos os
escholasticos, todos os platonicos, todos os peripateticos, todos os
epicuristas, todos os pantheistas, todos os scepticos, todos os
materialistas, e todos os atheus, sem excepcao d'um so, desde os
_Dialogos da Natureza_ do seculo XVII ate o nosso moderno _Trinta_,
comprehendendo todos os atheus verdadeiros e todos os atheus fingidos,
desde Vanini, que morreu queimado como impio pelo parlamento de Tolosa,
ate um bom tendeiro nosso amigo que deixou de ir a missa ha mais de um
anno, para nao se comprometter com os socios do club _Gomes Leal_.

Pois bem: ao cabo de tao laboriosas excavacoes eruditas e de tao vastas
investigacoes historicas, podemos asseverar, sob nossa palavra de honra,
a vossa alteza, que nada encontramos nem nas tradicoes, nem nos livros
sabios, nem na conversacao viva dos doutos, que nos possa dar, ainda que
mui remotamente, ideia alguma do que venha a ser o _estudo de uma
philosophia especialmente dirigido para o estudo de outra philosophia_,
como aquella de que tao gloriosamente se trata no quadro dos
conhecimentos propinados a vossa alteza pelos seus venerandos mestres.

O _Direito Natural_, em que se diz que vossa alteza entrou depois do
preparo da _philosophia especialmente dirigida para a philosophia_, e a
reliquia rarissima de um estado mental que desappareceu da esphera
philosophica, mas cujos vestigios tivemos a fortuna de poder encontrar
ainda entre os ferros-velhos da historia do pensamento.

Parece que houve com effeito, em tempos, o que quer que fosse a que se
deu o nome hoje archaico de _Direito Natural_.

Alem da gente anonyma e desconhecida que com mao mysteriosa taberneia em
Portugal o ensino publico e o de vossa alteza, ninguem mais ignora hoje
em dia que todo o Direito e um producto da civilisacao, e nunca uma
manifestacao ou uma obra da natureza. Nas sociedades rudimentares nao se
conhece o Direito. Nas sociedades civilisadas o Direito varia, segundo
as concepcoes intellectuaes que dirigem o progresso em cada uma d'essas
sociedades. E d'ahi vem que o Direito e eterno. E eterno precisamente
porque e progressivo, como e progressiva a moral e a arte, e nao porque
seja um ideal innato a natureza do homem.

O erro da velha denominacao de _Direito Natural_ procedia de que os
philosophos desconheciam a natureza, e em sua boa fe a consideravam
recta e justa. Mas Darwin veio. Desde entao ficou demonstrado que, pelos
processos porque ella opera na formacao dos aggregados humanos, a
natureza e immoral e e iniqua.

A lei do universo basea-se sobre o concurso d'estes dois grandes
agentes: a _luta pela vida_ e a _seleccao natural_. A luta pela vida e o
estado permanente de todos os seres, para os quaes a creacao e uma
eterna batalha. A sorte do conflicto decide-a a seleccao natural. Como?
Fixando na especie, pela adaptacao ao meio, os seres mais fortes, e
expulsando os seres inferiores. Por isso o professor Haeckel affirma: "A
theoria de Darwin estabelece que nas sociedades humanas, como nas
sociedades animaes, nem os _direitos_ nem os _deveres_ nem os _bens_ nem
os _gosos_ dos membros associados podem ser eguaes."

Ora o que e que estabelece o Direito? O Direito estabelece precisamente
o contrario d'isso: a egualdade dos deveres reciprocos para a mais
equitativa distribuicao dos bens.

O Direito portanto nao so nao e uma emanacao da lei natural, mas e uma
reaccao contra essa lei.

A natureza e o triumpho brutal decretado ao forte. A sociedade e a
proteccao consciente assegurada ao fraco. A creacao funda _a luta pela
vida_. A sociedade organisa o _auxilio pela existencia_.

Uma civilisacao e tanto mais adeantada quanto mais ella submette ao seu
dominio as fatalidades naturaes. E e assim que o homem, de conquista em
conquista, chegara um dia, como diz Buechner, ao paraizo futuro, ao
paraizo terreal, d'onde nao veio mas para onde vae, e que nao e um dom
divino primitivo mas o fructo derradeiro do trabalho humano.

Todo aquelle que, no meio d'este esforco compacto da intelligencia de
cada um para o progresso geral, se detem no caminho a aprender com os
seus pedagogos a coisa a que elles ainda chamam o _Direito Natural_,
esta por esse facto fora da civilisacao e fora da humanidade.

Se o nosso intento fosse perturbar o doce repouso dos perceptores de
vossa alteza, poderiamos perguntar como e possivel ensinar todo o
direito que vossa alteza aprende, sem previamente fazer conhecer os
grandes phenomenos que o Direito tem por fim dirigir e que se chamam a
_nacao_, a _familia_, a _propriedade_, o _trabalho_, etc.

Poderiamos perguntar ainda quem e que assume a responsabilidade de
ensinar a vossa alteza a _historia patria_ e a _historia universal_
antes de se haverem recusado a exercer essa funccao os individuos
idoneos, os que pelos seus estudos especiaes demonstraram na imprensa ou
no professorado ser os mais conhecedores d'essa materia, como o snr
Pinheiro Chagas, o snr Oliveira Martins e o snr Theophilo Braga.

Poderiamos perguntar mais, se a lingoa nao sera em uma nacionalidade um
facto tao importante, pelo menos, como o direito, e se e permittido que,
no quadro dos estudos de um principe de vinte annos, se nao diga uma so
palavra relativa ao conhecimento dos grandes escriptores, depositarios
das tradicoes historicas e das tradicoes poeticas da sua patria.

Poderiamos perguntar, finalmente, como e que a _Economia politica_, a
qual Mac Culloch tao concisamente diffiniu dizendo que a _sciencia
economica e a sciencia dos valores_, se pode ensinar a um menino de
redoma, sem nocao alguma dos elementos constitutivos dos valores; sem o
conhecimento das sciencias que produzem a riqueza, como sao a mechanica,
a physica e a chimica; sem a minima ideia das materias primas que as
industrias transformam, nem dos instrumentos que effectuam essas
transformacoes, nem dos movimentos commerciaes que modificam e alteram
de logar para logar o valor dos productos; um menino que o vacuo enorme
do seu quadro d'estudos nos mostra na ignorancia absoluta do que e o
milho, do que e o trigo, do que e o arroz, do que e o assucar, do que e
o algodao, do que e a la, do que e o carvao, do que e o ferro; de um
menino que nunca foi a uma lavoura, nem a uma officina, nem a uma
fabrica; de um menino que nunca viu em exercicio uma charrua, um torno,
uma serra, uma broca, uma bomba, uma maquina de vapor ou um moinho de
vento; um menino que nunca olhou de perto para esse instrumento vivo de
todas as transformacoes industriaes, que se chama o obreiro; um menino
emfim que nunca sahiu so, e que a sua mae nunca levou as compras, a
tenda, ao talho ou a feira; e que, sabendo todos os direitos que
ha--naturaes e sobrenaturaes, publicos e particulares, nacionaes e
internacionaes,--so nao sabe ainda como se faz o pao que come e o vinho
que bebe, o tecido que o veste e a vela que o alumia, nem quanto custa o
kilo da carne ou o litro do azeite!

Nos porem nao pretendemos affligir os mestres de vossa alteza. O mestre
e irresponsavel, pela boa razao de que o mestre e nullo na direccao
intellectual do homem.

E por esse motivo que _As Farpas_ propuzeram sempre que a instruccao de
vossa alteza se fizesse, como a dos demais cidadaos, nas escolas
publicas do seu paiz. Porque a forte, a fecunda, a verdadeira licao nao
vem da auctoridade dogmatica dos mestres, vem do livre impulso dado ao
espirito e dado ao caracter pela convivencia dos condiscipulos e dos
companheiros.

E n'essa intima communhao de interesses com individuos da mesma raca, da
mesma nacao, da mesma idade, que o homem comeca a comprehender a
primeira e a mais importante nocao social, a nocao da solidariedade
humana, o mecanismo de todo o verdadeiro progresso, tendente ao triumpho
final das forcas sympathicas sobre as forcas egoistas, a adaptacao mais
perfeita do individuo a communidade.

E nao e somente o rhythmo do egoismo e da sympathia que se forma e se
regularisa nas relacoes de convivencia com os nossos similhantes. Sao as
curiosidades intellectuaes que despertam, e os conhecimentos que se
transmittem no sentido dos problemas mais importantes para a geracao a
que pertencemos.

Metade d'aquillo que valemos, moralmente e intellectualmente, devemol-o
aos contactos e as suggestoes dos individuos que nos teem rodeado
atravez da existencia. E esta uma divida que poucos se lembram de pagar,
reconhecendo com veneracao os beneficios da amisade. Todas as maes estao
prontas sempre a declinar sobre as "mas companhias" dos seus filhos a
responsabilidade dos seus desvarios. Sao rarissimas aquellas que sabem
agradecer, como collaboracao dos seus desvelos, a parte enorme que as
"companhias boas" tiveram na formacao do espirito e na formacao do
caracter, na intelligencia, na dignidade, na honra, na gloria dos seus
filhos.

O homem mais perfeitamente educado por um mestre foi Stuart Mill. Aos
vinte annos de idade elle tinha aprendido com James Mill, seu pae, tudo
quanto a sciencia pode ensinar a um sabio e a um philosopho. E todavia
Stuart Mill conta-nos na sua autobiographia que, ao perguntar um dia a
si mesmo se seria feliz, uma vez realisadas nas instituicoes e nas
ideias todas as reformas que elle projectava crear, a sua consciencia
lhe respondera:--nao. "Senti-me entao desfallecer,--diz elle;--todas as
fundacoes sobre que se tinha architectado a minha vida se desmoronaram
de repente." Mais tarde elle sentiu a dor, sentiu depois o amor, o amor
apaixonado, absorvente, enorme, dominando todo o seu ser, submettendo _a
forca dissolvente da analyse_; e foi so entao que elle se sentiu homem,
revivendo para a natureza, forte da grande forca que a natureza lhe
communicava, equilibrado para sempre no seu destino, cingido ao coracao
palpitante de uma mulher que elle amou--elle o sabio, o philosopho, o
reformador frio e implacavel--com o amor illimitado, enthusiastico,
cavalheiresco, que as velhas legendas lyricas attribuem aos grandes
amantes celebres.

A educacao ministrada a vossa alteza pelos mesmos processos por que se
ministra o alimento as gallinhas nas cevadeiras mechanicas, apesar de o
nao ter feito um sabio como Stuart Mill, impediu-o egualmente de se
fazer um homem.

Nao basta, para educar um mancebo, vir o snr Martens Ferrao ou o snr
Santa Monica duas ou tres vezes por dia com a bomba da papa espiritual,
abrir-lhe o bico, carregar n'um piston, e encher-lhe o papo de doutrina
haurida nos compendios do snr Jose Garnier.

Hoje em dia, menos do que nunca, se podem incutir a um homem opinioes
feitas, introduzindo-lh'as por injeccao pedagogica. Ja Stendhal dizia
que estamos n'um seculo em que somente sera escutado o homem que tiver
opinioes individuaes. So os timidos, os preguicosos e os tolos e que
teem como suas as opinioes em gyro. Ora as opinioes individuaes so se
adquirem pela livre critica da opiniao da massa, que e indispensavel
conhecer e tratar.

E o que ha muito tempo comprehenderam todas as familias reinantes acerca
da educacao dos seus filhos.

Os principes de Orleans sentaram-se nos mesmos bancos com os filhos dos
burguezes do seu tempo no lyceu Henri IV.

O principe real da Allemanha fez os seus estudos na universidade de
Bonn. Seu filho o principe Wilhelm seguiu o seu curso na mesma
universidade, tendo por condiscipulos o principe de Saxe-Meiningen,
filho do grao-duque de Baden, e o principe d'Oldembourg. Os que passaram
em Bonn de 1878 a 1880 viram esses principes, envolvidos com os demais
estudantes, e vestidos como elles, de chapeu mole e veston abotoado,
irem a pe para a universidade com a pasta de couro debaixo do braco,
beberem juntos o _meiwein_ nos cafes, e passearem de sapatos ferrados e
cachimbo nos beicos pelos suburbios de Bonn, em Godesberg ou em
Heisterbach.

O principe Frederico Alexandre Carlos, hoje rei regente de Wurtemberg,
fez os seus estudos nas universidades de Berlim e de Tubing.

O principe Carlos Alexandre, grao-duque de Saxe-Weimar-Eisenach, e
alumno das universidades de Iena e de Leipzig.

O principe Christiano Augusto Frederico, principe herdeiro de
Slesvig-Holstein-Souderbourg, e alumno da universidade de Bonn.

O principe Frederico Guilherme, grao-duque de Mecklembourg-Strelitz, e
egualmente formado em Bonn.

O principe Ernesto IV, duque reinante de Saxe-Cobourg-Gotha, auctor da
conhecida Viagem do Egypto, fez em Bonn um curso de philosophia e um
curso de economia politica.

O principe reinante da Servia, Milao Obrenovitch, fez os seus estudos em
Paris, no lyceu Louis-le-Grand.

Os filhos da rainha de Inglaterra foram educados nas universidades de
Cambridge e de Oxford; e todos elles, assim como os filhos do principe
imperial da Allemanha, sabem um officio. Uns sao lithographos, outros
sao torneiros, outros encadernadores, outros typographos. Se vossa
alteza houvesse aprendido um officio, como _As Farpas_ propuseram em
tempo opportuno, vossa alteza teria obtido entao a singular aptidao
cerebral que anda ligada ao mais perfeito desenvolvimento da coordenacao
dos movimentos nervosos e musculares, e forrar-se-hia agora, na
convivencia dos seus primos da Allemanha e da Inglaterra, a
desconsoladora melancolia que sempre invade os espiritos inferiores em
capacidade, entre os homens eguaes em condicao.

Os dois filhos do principe de Galles estao presentemente estudando na
Suissa, com a simplicidade de dois jovens cidadaos da sabia e modesta
republica helvetica.

O rei Affonso XII de Hispanha, o principe da Hollanda, o principe
Eugenio Napoleao, etc, fizeram egualmente os seus cursos nas escolas
publicas, conviveram n'ellas com homens de todas as opinioes politicas e
de todas as opinioes religiosas, aprenderam a distinguil-os pelo seu
valor pessoal, fizeram-lhes favores, receberam-os d'elles, crearam
finalmente um circulo de affeicoes, ligadas as memorias da mocidade, e
constituindo um dos mais doces e dos mais nobres encantos da vida.

Vossa alteza, que ate hoje nao teve ainda um companheiro e um amigo,
conserva em folha um dos principaes instrumentos da actividade humana, o
seu coracao, e n'elle, improdutivo e inutil, o capital precioso dos seus
affectos desempregados.

Em um exordio sentimental que precede a exposicao dos estudos de vossa
alteza publicada no _Diario de Portugal_, leem-se as seguintes linhas:

_Sua magestade a rainha quiz especialmente tomar a seu cuidado seguir
dia a dia com grande discernimento, e extremado cuidado a educacao dos
seus filhos._

Deploravel, serenissimo senhor, profundamente deploravel, similhante
intervencao!

E realmente preciso que os pedagogos de vossa alteza abusem de mais do
encyclopedismo da sua ignorancia na materia que professam para nao terem
devidamente aconselhado sua magestade n'este importante assumpto.

A missao da mae na educacao do homem termina quando este chega aos
quatorze annos. Charles Robin o disse. Ate essa idade sao os sentimentos
que inspiram os actos, e e a mae que cumpre dirigir os sentimentos. Dos
quatorze annos em deante sao as ideias que dirigem as accoes.

As psychoses, assim como as manifestacoes anathomicas e as funccoes
physiologicas, caracteristicas da puberdade, encerram segredos que
nenhuma mae tem direito de devassar na educacao de um rapaz, assim como
nenhum pae tem direito analogo na educacao de uma menina.

Toda a mae que intervem fiscalmente nas legitimas curiosidades
intellectuaes de um mancebo offende egualmente o pudor d'elle e o
d'ella.

Nao sabemos se vossa alteza adquiriu ja a firme e clara comprehensao de
que nao veio ao mundo trazido do Norte n'um cabaz ornado de topes azues
e cor de rosa, ou achado entre as violetas do jardim sob uma folha de
couve. Se vossa alteza chegou ja com effeito ao conhecimento da secreta
verdade embriologica que destroe essa ingenua e graciosa legenda da sua
meninice, vossa alteza comecou desde esse dia, pela subita renovacao do
amor e do respeito a sua mae, a ser para ella o verdadeiro filho, mas
cessou para todo sempre de ser o alumno d'essa senhora.

Desde que um homem entra no periodo da virilidade a mulher em cuja
convivencia elle tem que educar as suas faculdades estheticas e as suas
faculdades criticas e a sua noiva ou e a sua amante.

A personalidade sagrada d'aquella que nos deu o ser e preciso, para a
honra, para a dignidade, para o encanto carinhoso da familia, que fique
para sempre extranha aos processos pedagogicos com que cada um de nos
arrancou da arvore da sciencia e mordeu com a voracidade dos reprobos o
fructo delicioso e terrivel do bem e do mal.

O amor maternal e o anjo legendario do eden, que, perante a curiosidade
scientifica do homem e do gladio de sangue que o expulsa da innocencia,
cobre o rosto lacrimoso e se encerra eternamente na alvura immaculada
das suas azas desdobradas e pendentes.

E e preciso que assim seja, para que um pouco de ceu fique no fundo do
coracao d'aquella que nos deu a luz, e junto da qual e ineffavelmente
doce para todo o homem ir, de longe a longe, dessedentar-se das
amarguras ardentes da vida desilludida pousando os beicos com veneracao
no cristalino veio abencoado de cuja corrente humilde e melodiosa,
escondida no mais longinquo e mais ridente valle do passado, gotejou
sobre a nossa infancia a perola da candura.

Considere agora vossa alteza os resultados em que a sua educacao comecou
ja a fructificar.

Vossa alteza, na idade de vinte annos, continua a assistir todos os dias
ao santo sacrificio da missa, e nao fez ainda a um companheiro ou a um
amigo o sacrificio pessoal de um lapis ou de uma penna d'aco.

Vossa alteza frequenta ainda regularmente o tribunal da penitencia. Em
periodos determinados o cardeal bispo do Porto vem ouvir de confissao a
vossa alteza. Sua eminencia reverendissima recolhe no sacrario do seu
peito a narrativa dos peccados que vossa alteza nao perpetrou e dos
beneficios que vossa alteza egualmente nao distribuiu. Depois do que,
feito o acto de contricao, elle o absolve em nome de Deus Padre Todo
Poderoso, fazendo-lhe por elle a solemne promessa de um commodo e
confortavel thronosinho rutilante de estrellas o espera nas alturas da
Via Lactea para o dia em que vossa alteza resolver honrar a celestial
mansao com a sua agradavel presenca, indo trocar um aperto d'azas com os
anjos, que o esperam saudosos no Empyreo.

Para os effeitos celestiaes e evidente que nao pode haver melhor vida
que a que vossa alteza tem, nem melhor morte que a que lhe esta
destinada.

A unica coisa de recear e que a historia nao seja por ventura tao
acommodaticia como a providencia, porque, no dizer de um outro padre
mestre, o patriarcha Voltaire, a historia so diz bem d'aquelles que
praticam o bem. Ella e de um desprezo incivil com todos os que
delicadamente se encerram na missao discreta de nao praticar coisa
alguma.

E n'esse bello socego que no tempo antigo se endurecia o coracao aos
tyrannos e que ainda hoje se engorda o figado aos patos. Nao e porem com
tal regimen que de ordinario se desenvolve nos homens o sentimento da
responsabilidade, o espirito do sacrificio e o amor do dever.

E no emtanto as escolas de medicina, as escolas polytechnicas, a
universidade, a escola naval e a escola do exercito trasbordam de uma
mocidade, contemporanea de vossa alteza, a qual vae entrar agora no
conflicto da vida civil e reorganisar a sociedade sobre a qual vossa
alteza ha de reinar um dia. Do espirito d'essa mocidade, das suas
tendencias, das suas aspiracoes, das suas vistas futuras, e vossa alteza
em Portugal o unico homem da sua idade que nao tem conhecimento algum.

Creado no meio de cavalheiros de cincoenta a sessenta annos,
conservadores e cortezaos, mais velhos ainda pelas suas ideias que pelos
seus annos, vossa alteza so conhece do seu tempo os individuos que
cessaram de tomar parte no movimento d'elle e pertencem pela sua
immobilidade mental as geracoes mortas.

Vossa alteza chegou a maioridade; as cortes da nacao prestaram-lhe
venia; em torno de vossa alteza quarenta ou cincoenta servidores,
antigos militares, antigos ministros, antigos magistrados, beijam-lhe a
mao em cada manha, fazendo alas, de dorso curvo e d'olhos no chao, para
que vossa alteza passe, intemerato c magestoso, da sala em que lhe
servem o seu latim para a sala em que lhe servem a sua merenda; vossa
alteza e o herdeiro presumptivo do throno, e o regente do reino em nome
do rei, e o senhor de Guine e da conquista, navegacao, commercio da
Ethiopia, Arabia, Persia e da India; e todavia nao e senhor de tomar
simplesmente um bilhete de re no vapor da outra banda e de ir a
Cacilhas, sem licenca previa de sua augusta mae.

Todos os dias a augusta mae de vossa alteza pede a nota das suas licoes,
e, sempre que vossa-alteza nao decorou inteiramente o seu verbo, a
excelsa soberana prohibe-o de se ir divertir, isto e, de ir a noite aos
Recreios Witoyne entre dois homens de dragonas e de espada a cinta, como
quem vae preso para o calabouco.

Quando porem ha graves negocios pendentes da deliberacao do poder
executivo, medidas excepcionaes de administracao, tratado importante que
assignar com alguma potencia extrangeira, ajustes de paz ou declaracoes
de guerra eminentes, entao, quer vossa alteza tenha satisfeito as suas
licoes quer nao, sua magestade a rainha nao se oppoe a que vossa alteza
saia, porque vossa alteza e conselheiro d'estado desde os desoito annos,
e sempre que os grandes negocios da republica se complicam, vossa alteza
tem por missao deslindal-os.

Se coincidentemente com um conflicto politico nas relacoes
internacionaes do paiz occorre algum erro palmar no thema de vossa
alteza, entao a pena disciplinar de reclusao por negligencia no estudo e
substituida pela privacao de sobremeza, afim de que vossa alteza
corrigido como mau estudante, va ao mesmo tempo salvar a patria como bom
conselheiro.

Alem de conselheiro d'estado, vossa alteza e alferes de lanceiros e e
segundo tenente da armada.

E summamente extranhavel--nao o esconderemos--que honrando a carreira
das armas por meio da adopcao d'essas duas patentes assumidas _in
absentia_, vossa alteza nao honre egualmente as profissoes liberaes,
dignando-se de assumir tambem algum diploma nas carreiras scientificas e
litterarias.

Nao pretenderiamos que logo aos quinze annos de idade o tivessem feito
doutor de capello e socio de merito da Academia. Poderiam porem com
vantagem, segundo nos parece, comecar por nomeal-o associado provincial
da Academia, por exemplo, e pharmaceutico.

Mais tarde, no dia em que vossa alteza celebrou o seu 16. deg. anniversario
natalicio, teriam podido eleval-o a categoria de segundannista da
faculdade de philosophia e a socio do Instituto. E assim consecutiva e
progressivamente. De sorte que, hoje em dia, exactamente assim como e
alferes do exercito e segundo tenente da armada, vossa alteza poderia
muito hem--creia-o--ser socio effectivo da Academia e bacharel formado
em direito.

Nao podemos tao pouco attingir as razoes mysteriosas em virtude das
quaes vossa alteza nao foi ainda nomeado capellao. Dados os habitos de
devocao de vossa alteza, nada mais commodo do que essa patente
eclesiastica. A qualquer hora a que se levantasse para se entregar aos
seus estudos, vossa alteza faria, a barba e diria a missa a si mesmo; e
logo em seguida sem mais perda de tempo, vestido d'alferes, iria tirar
significados.

Vossa alteza digna-se talvez de sorrir docemente a ideia comica de ser o
seu proprio capellao ... Vossa alteza e extremamente bom e amavel em
sorrir. Esperamos que vossa alteza tera egualmente o espirito
sufficiente e a malicia precisa para comprehender perfeitamente que nao
e, em rigor, muito menos padre do que e tenente de si mesmo.

Tal e, senhor, o absurdo grottesco da etiqueta corteza, na qual o
obrigam a vegetar trabalhosamente como uma bella e rica planta de ar
livre dentro de uma estufa podre.

Vossa alteza tem sido submettido aos rigores tenebrosos d'esse regimen
no proposito de o tornar mais perfeito e mais feliz.

Esta succedendo a vossa alteza o mesmo que succede aos povos a que os
reis procuram dar a felicidade por meio da tyrannia. Os povos agradecem,
mas preferem o infortunio, porque o coracao do homem aspira eternamente
a liberdade, e vae para ella com mais ou menos lentidao mas n'um esforco
constante, como vae a crescenca da planta para a parte d'onde lhe vem a
luz.

Ora como nos nao parece justo que para os povos se peca uma coisa, e aos
principes se offereca a coisa contraria, toda a nossa opiniao acerca da
educacao de vossa alteza se resume n'isto:

Que o libertem!

Para conhecer a realidade do mundo, unico fim serio da sciencia, e
preciso entrar no combate da vida como entravam na lica os paladinos
bastardos--sem pae e sem padrinho.

Os principes nao constituem excepcao a esta lei geral da formacao dos
homens. Da educacao de gabinete, do bafo enervante dos mestres, dos
camareiros e das aias, nunca sahiram senao doentes e pedantes.

Na sagracao dos czares ha uma ceremonia de alta significacao symholica:
o imperador nao se confirma em quanto por tres vezes nao haja descido do
throno e penetrado so na multidao; e isto quer dizer que na convivencia
do povo a auctoridade e o valor dos monarchas recebe uma tao sagrada
unccao como a da santa chrisma.

Todos os reis fortes se fizeram e se educaram a si mesmos nos mais rudes
e mais hostis contactos da natureza e da sociedade humana.

Veja vossa alteza Carlos Magno, que so aos quarenta annos e que mandou
chamar um mestre para aprender a ler. Veja Pedro o Grande, do qual a
educacao de camara comecou por fazer um poltrao. Aos quinze annos nao se
atrevia a atravessar um ribeiro. Reagiu emfim sobre si mesmo pela sua
unica forca pessoal. Para perder o medo aos regatos, um dia, da borda de
um navio, arrojou-se ao mar. Para se fazer marinheiro comecou por
aprender a manobra, servindo como grumete. Para se fazer militar comecou
por tambor na celebre companhia dos jovens boyardos. E para reconstituir
a nacionalidade russa comecou por construir navios, a machado, como
official de carpinteiro e de calafate, nos estaleiros de Sardam. Tambem
nao teve mestres, e foi comsigo mesmo que elle aprendeu a lingua allema
e a lingua hollandeza. Veja vossa alteza, emfim, todos aquelles que no
governo dos homens tiveram uma accao efficaz, e reconhecera se e na
licao dos mestres ou se e no livre exercicio da forca e da vontade
individual que se criam os caracteres verdadeiramente dominadores, como
o de Cromwell, como o de Bonaparte, como o de Santo Ignacio, como o de
Luthero, como o de Calvino, como o de Guilherme o Taciturno, como o de
Washington, como o de Lincoln.

Vossa alteza acha-se precisamente agora na grande crise de toda a sua
vida, no momento psychologico da escolha entre a sujeicao a direccao
inepta dos seus pedagogos e a reaccao da sua vontade para uma educacao
nova, como a que deram a si mesmos Pedro I na Russia e Carlos XII na
Suecia.

A proxima viagem e a occasiao propria, e a unica, para se tomar essa
resolucao suprema. Vossa alteza tem ate hoje vivido no carcere da
obediencia. Fazem-o circular agora pela Europa, de corte em corte, como
um animal domesticado pelo snr Martens Ferrao e trabalhando a voz do snr
Aguiar, dentro da jaula da disciplina.

E chamam-lhe a isso uma viagem! Mas nao e mais do que uma nova licao
isso! a licao derradeira, fatal e tremenda, exaltando, confirmando e
fixando do modo mais perigoso no espirito de vossa alteza os erros de
todas as outras licoes funestas que lhe teem dado.

E preciso que vossa alteza se compenetre bem, n'este momento e de uma
vez para sempre, como principe, como rei, como cidadao e como homem,
para regra de todo o seu procedimento presente e futuro, quer de si para
cima, quer de si para baixo,--que o regimen da obediencia e o systema da
negacao do caracter. O homem so e um homem desde o instante em que,
perante o conflicto da consciencia e da autoridade, elle aprende a ser
um rebelde. A obediencia e a forma forrada de cebo ou de manteiga em que
se molda a massa saponancea dos servis, mas em que perde o feitio,
porque se quebra ou porque se esboroa, a nobre personalidade humana.

Submisso a vontade dos seus preceptores, vossa alteza ficara para sempre
um principe de forma, pretensioso, apelintrado e piegas, bonito para
ornar uma pendula barata n'um salao chinfrin, ou para se por em cima de
um kake coberto d'assucar, em pompa de sobremesa, n'uma boda labrega.

Vossa alteza preferira de certo ser aquillo para que a simples natureza
o destinou--um nobre ser vivo, um bello e forte rapaz altivo,
inrelligente e honrado.

Em presenca pois da companhia obrigatoria e nefasta dos semsaboroes
officiaes incumbidos de o guardar, vossa alteza, apenas transposta a
fronteira, nao tem senao um d'estes dois partidos que tomar relativamente
aos seus aios, pedagogos, camareiros e mestres:--subjugal-os a sua unica
e exclusiva vontade, corrompendo-os: ou desfazer-se d'elles fugindo.

Encaremos com serenidade e firmeza cada uma d'essas duas solucoes.

A corrupcao do mestre pelo alumno tem sido por vezes vantajosamente
intentada, com resultados satisfactorios para a rasao e para a
humanidade.

Cumpre-nos sobre este ponto referir a vossa alteza o que succedeu com a
educacao do fallecido marquez de Niza, um dos raros e derradeiros homens
de espirito que produsiu a aristocracia portuguesa para encanto do mundo
elegante na Europa e para horror e escandalo da corte geba e caturra dos
paes de vossa alteza. A velha e veneranda senhora marqueza de Niza, avo
do actual conde da Vidigueira fidalgo da casa de vossa alteza, tinha
sobre a educacao do seu filho os mesmos preconceitos lamentaveis que
affligem o coracao amantissimo da mae de vossa alteza. Para dirigir a
educacao do joven marquez veio expressamente de Roma para o solar dos
Nizas, auctorisado por um breve pontificio, o mais sabio e o mais
veneravel dos monges toscanos. A presenca austera do abalisado pedagogo,
a sua fronte pensativa e pallida, a sua longa barba negra esparsa no
escapulario do habito, a compostura das suas maneiras, o recolhimento
singelo do seu porte, a alta e preciosa cultura do seu espirito
encyclopedico e a sua extremada devocao, puseram em todos os velhos
parentes da familia um sentimento profundo de respeito, de veneracao e
de confianca illimitada.

Nos intervallos dos exercicios litterarios e dos exercicios religiosos,
quando o monge depois de haver feito a sua licao de musica, tomava elle
mesmo a rebeca do seu alumno e accordava n'elle os primeiros sentimentos
estheticos, tocando por sua mao um _nocturno_ ou um _tremolo_, era tao
viva e tao pungente, sob a vibracao do seu arco magistral, a voz do
violino, que nao so o pequeno marquez impallidecia, tocado de uma nova e
extranha commocao mysteriosa, mas a propria senhora marquesa chorava,
docemente enternecida, subjugada pela expressao penetrante da melodia
que o grande artista, humildemente oculto sob a roupeta d'esse frade,
espargia em torno de si n'um lento soluco orvalhante de perolas.

Terminada a educacao theorica, era preciso completal-a na pratica por
meio de uma viagem na Europa, e o marquez de Niza, abencoado por sua
mae, purificado pela eucharistia e pela confissao geral, partiu para
Paris com o seu preceptor.

Durante os primeiros meses correu tudo n'uma serenidade e n'uma ordem
verdadeiramente claustral. O preceptor escrevia por todos os correios. O
menino, cada vez mais comedido, mais respeitoso e mais temente a Deus,
parecia disposto a passar, sem solucao de continuidade, da innocencia de
um cherubim para a santidade de um doutor da igreja. Depois, a pouco e
pouco, foi successivamente diminuindo o numero das cartas e augmentando
o numero das contas. Os dois pocos de santidade tinham-se convertido em
dois sumidouros enormes de dinheiro. A senhora marquesa queixava-se
repettidamente com severidade cada vez mais acrimoniosa. Chegou a final
uma carta do padre. Explicacoes evasivas, e rasoes debeis, com um
perfume fortissimo de _patchouli_, que era entao o cheiro da moda, o
cheiro _selected_, o cheiro _v'lan_, segundo o termo com que mais tarde
o galante rei da Hollanda tinha de enriquecer o vocabulario precioso do
cocodettismo. Depois do que, nunca mais o eclesiastico escreveu.
Acabou-se, em ultimo recurso, por suspender toda a remessa de numerario
para Paris. Mas nem esta suppressao violenta dos meios determinou uma
mudanca sensivel em tao lastimoso estado de coisas. Para obter noticias
positivas do marquez de Niza e do seu aio foi preciso mandar de
proposito a Paris o procurador da casa, e so entao se veio no
conhecimento do occorrido.

O veneravel monge, depois de ter sido uma noite rebaptisado a champagne
n'um gabinete do cafe inglez, esqueceu-se do burel pendurado no CABIDE
d'esse gabinete, e fez cavalheirosamente presente d'elle ao _maitre
d'hotel_ quando este lh'o quiz restituir na noite immediata. Depois, por
um louvavel sentimento de respeito pela inviolabilidade sacerdotal,
deitou abaixo inexoravelmente as suas barbas d'asceta, profanadas a
traicao pelos beijos de varias bailarinas que o adoravam, e guardou
unicamente, como symbolo da rigidez dos seus princupios, um severo e
implacavel bigode.

Mais tarde, quando chegou a noticia terminante que de Lisboa lhes nao
enviariam nem mais dez reis, o marquez tremeu. O padre entao ralhou,
fazendo observar que seria preciso que elles fossem ambos dois pulhas
indignos para precisarem para alguma coisa do dinheiro da senhora
marqueza; que seria preciso ainda que essa senhora houvesse sido
miseravelmente roubada durante todo o tempo que durara a educacao do seu
filho, para que tanto elle como o seu mestre nao estivessem
perfeitamente habilitados a ganhar a sua vida pelo trabalho era qualquer
parte do mundo onde a senhora marqueza se dignasse de os abandonar.

E em seguida, mettendo as caixas das rebecas debaixo do braco e
acendendo uma cigarrette, foram ambos apresentar-se ao director de um
theatro que os escripturou como violinos.

Depois do espectaculo, um tanto ebrios da commocao capitosa da musica
que tinham feito ao lado um do outro, sahiam juntos, offereciam o seu
braco com a galanteria de meridionaes as duas actrizes que por ventura
se encontrassem n'essa noite ainda mais pobres do que elles, e iam
juntos beber a sua _chope_ em _partie carree_ na calmante frescura dos
boulevards.

Os pedagogos de vossa alteza nao estao no caso do do marquez de Nisa. A
nos, pelo menos, nao nos consta que o snr Martens Ferrao toque algum
instrumento, nem que as prendas musicaes entrem no numero das que
exornam o snr Antonio Augusto de Aguiar. Um e outro sao rebeldes a arte,
e foi pela fenda da arte que o humanismo do marquez de Nisa penetrou o
arnez theologico do seu amavel aio.

E e preciso isso, a picada, da arte no intimo do coracao de um homem,
para que elle, venha d'onde vier, saia d'onde sair, se converta depressa
no digno companheiro do mais espirituoso e do mais elegante dos
_gentlemen_.

Quando elles nao teem a arte por si, ou contra si, o melhor, real
senhor, e deixal-os ser o que sao, e nao lhes bolir. Incorruptos sao
insipidos. Corrompidos tornam-se porcos.

Resta pois a vossa alteza um unico recurso:--a fuga.

Parece uma bicha de sete cabecas, ao primeiro aspecto. Pura illusao!
Le-se a historia de todas as evasoes celebres: e a coisa mais simples
d'este mundo. Basta ter calcanhares, e vossa alteza tem-os. Basta ter
uma pouca de terra para dar para feijoes, e vossa alteza tem diante de
si o mundo inteiro que dar para esses legumes.

Tudo mais e simples detalhe.

Convira apenas que n'uma estacao de bufete, em qualquer linha de caminho
de ferro, vossa alteza, encontre a sua disposicao, do lado opposto a
linha, um cavallo pronto e ligeiro.

Uma palavra telegraphica de vossa alteza a redaccao d'_As Farpas_, e
_Frontin_, o proprio _Frontin_, o vencedor do Grand Prix de Longchamps,
o esperara no ponto que vossa alteza designe, submisso e relinchante,
immovel e estacado nas suas quatro pernas d'aco, de ventas altas,
redondas, avidas, nervosas e palpitantes.

Emquanto os pedagogos, abancados no restaurante da gare, comem, mascando
ruidosos, vorazes de azote e de carbone, vossa alteza, em bicos de pes,
prega-lhes um rabo de papel em cada um, e desapparece veloz pelo fundo.

Um pulo a sella, redea baixa, e avante!

Que importa tudo quanto possa succeder em seguida?! A pedagogia que
rebente ahi assim! a jurisprudencia que desmaie! a chimica que caia para
a banda! a etiqueta que estoire!

A humanidade triumpha, porque, desde esse momento, vossa alteza e livre.

Quem ousara constrangel-o, coagil-o, violental-o?

Vossa alteza e verdade que e um principe, mas e tambem um homem, chegou
a maioridade, e o unico e exclusivo senhor de si mesmo.

Todos os pavilhoes dos paizes livres,--da Franca, da Suissa, da
Hollanda, da Inglaterra, dos Estados Unidos da America--subirao
desfraldados ao tope dos mastros para cobrirem de toda a sua forca e de
toda a sua gloria na pessoa de vossa alteza a sua inviolabilidade
sacrosanta de _touriste_.

Todos os codigos e todos os tribunaes do mundo estao abertos para lhe
prestar defesa e homenagem.

Rei, posto na Ajuda, no alto do seu throno, com a purpura as costas, a
coroa na testa e o sceptro em punho, vossa alteza tem apenas para o
defender um exercito de cinco mil coroneis, com duzentos soldados, e o
habil Antunes. Fora da fronteira, com um passaporte no bolso, um saco de
noite na mao e um chapeu de chuva debaixo do braco, vossa alteza tem a
sua disposicao, como qualquer outro, para salvaguardar e manter os seus
inviolaveis direitas d'homem provido de uma chapelleira e de um guia
Baedeker, todas as armadas e todos os exercitos do mundo.

Se a corte portugueza recalcitrar, se os seus pedagogos intentarem
impor-se-lhe e embargar-lhe o passo, vossa alteza, com um simples gesto,
chama um gendarme, que lhe encafurna todos esses massadores na cadeia.

--Deixem circular, meus senhores! deixem circular!--tal e a palavra da
forca publica, de um extremo ao outro extremo em todo o mundo
civilisado.

Considere vossa alteza o que em circumstancias analogas fez o principe
herdeiro da Hollanda, o sabio, o doce, o ineffavel _Citron_. Desde que
se achou em Paris, nos seus pequenos appartamentos da rua Auber, nao
houve mais forcas humanas que o obrigassem a voltar a estopada do seu
reino.

A nos outros, senhor, coube-nos ainda a gloria de conhecer no Bignon
esse adoravel cosmopolita, que tinha a sabedoria de preferir a
commodidade de um chapeu mole de _Pinaud et Amour_ ao peso de qualquer
coroa d'este mundo. Era, como vossa alteza, um louro,--um pouco mais
fulvo apenas. Usava as suissas em _cotelette_, caminhava lentamente,
como um piccador fatigado ao acabar de desmontar, e apesar do seu desdem
de toilette e de maneiras, havia n'elle a distinccao dolente de um
antigo sangue nobre, a alta aristocracia cancada e fastienta da preclara
familia de Nassau.

Nao houve cartas regias, nem negociacoes diplomaticas, nem enredos, nem
violencias, nem ameacas, nem esforcos d'ordem alguma que o levassem a
demover jamais de Paris a sua mala grande.

Um dia o rei da Hollanda, que os encantos de Madame Musard distrahiam
algumas vezes dos interesses da politica neerlandeza para as
convivencias da _Maison Doree_, encontrou-se com Citron, de passagem, no
foyer de um theatro do boulevard. O soberano incognito abracou o filho
pela cintura com effusao e firmeza, e disse-lhe peremptoriamente:

--O menino vae d'aqui sem mais perda de tempo la para baixo para a
Hollanda reinar. Quem fica em Paris agora sou eu. Tenho aqui no bolso a
minha abdicacao, e vou ja la dentro ao foyer dos artistas assignar-lh'a.
Acceite os meus parabens.

Citron, inclinando-se, agradeceu commovido, e accrescentou:

--Espera-me entao aqui um momentosinho, que eu venho ja ...

Foi essa a derradeira vez que o monarcha dos Paizes Baixos viu o seu
herdeiro n'este mundo. Pouco depois Citron morria na sua cama de rapaz
na rua Auber, firme e feliz na inveterada conviccao de que e melhor ser
um _viveur_ morto do que um rei vivo.

Uma vez em Paris, simplesmente mas confortavelmente instalado n'um
_entresol_ sobre os Campos Elyseos, ou n'um terceiro andar sobre o
Luxembourg, segundo os seus gostos de _clubman_ ou os seus gostos de
litterato, tem vossa alteza naturalmente indicados os individuos que
devem constituir a sua primeira roda de companheiros.

Tem o snr Rodrigues, distincto alumno de medicina, para o pilotar no
mundo scientifico. Tem o snr Mariano Pina, espirituoso folhetinista,
para o guiar no mundo litterario. Tem o snr Loureiro, o snr Columbano, o
snr. Monteiro Ramalho e os demais pintores portuguezes para o
introduzirem no mundo artistico. Sahindo do mundo onde a gente estuda,
tem, finalmente, vossa alteza o snr Jeronymo Collaco de Magalhaes para o
levar ao mundo onde a gente se diverte.

Paris inteiro se resume n'isso, e todo o mundo se acha resumido em
Paris.

Qual tem de ser ahi o novo quadro de estudos destinado a refazer nas
suas verdadeiras bases a educacao de vossa alteza? Nada mais simples!
Quem sabe mais d'essa materia do que os melhores pedagogos e toda a
gente. Vossa alteza fara sabiamente o que faz toda a gente que se
instrue, isto e, comecara a aprender tudo aquillo que o trato do mundo
em que entra lhe mostrar que nao sabe.

Vossa alteza levanta-se, como todos os que se presam, as seis horas da
manha; toma a sua douche ou um banho morno, fazendo-se pistonnar com
agua gelada pelos seus lados fracos; monta em seguida o seu cavallo
irlandez, e vae com o sr. Jeronymo Collaco galopar para o Bois de
Boulogne. Confere-se depois uma hora de esgrima e do tiro ao balao, e em
seguida almoca no _cercle_. Vae com o snr Mariano Pina ao Collegio de
Franca e ouve a licao do snr Renan. Vae com o snr Rodrigues a Escola de
Medicina e assiste a preleccao do snr Charcot. Vae com os pintores ao
Louvre e olha para a Venus de Millo. Sobra-lhe ainda tempo para dar a
volta da tarde em carroagem no Bois, e para comparecer n'um _five
o'clock_.

A' noite--como se nao e principe impunemente--as conveniencias exigem a
toilette ceremoniosa para jantar, a casaca ingleza, a gravata branca, e
a perola preta cercada de brilhantes no peito da camisa. E inutil dizer
que se nao poem condecoracoes. So os porteiros, os dentistas e os
prestidigitadores e que usam hoje esse arrebique de mau genero.

A noite convem a idade e a posicao de vossa alteza uma hora de
conversacao mysteriosa ao fundo de uma _baignoire grillee_ n'um pequena
theatro.

Um so dia d'estes prehenchera melhor a educacao de vossa alteza do que
seis annos de estudo sobre o _Direito Publico_ do visconde de
Lagueroniere, ou sobre o _Direito internacional_, de Bluntschli, com o
snr Marlens Ferrao debrucado em cima do hombro de vossa alteza, a
explicar os textos no lento rom-rom coceguento e rhythmico dos sabios
antigos e dos gatos velhos, tao propicio as somnecas!

De quando em quando sera util que vossa alteza va ao Bullier beber
cerveja com os estudantes, ou que ponha o chapeu tyrolez, de feltro
branco com uma papoula bordada a matiz, e consagre um domingo de sol a
um _croquis_ de impressao na floresta de Fontainebleau, indo em seguida
provar as frituras de Barbizon em companhia d'artistas.

Ouvira talvez vossa alteza fallar nas _cocottes_. Chamavam-lhes n'outro
tempo as _cortezas_, chamaram-lhes depois as _lorettes_, e principiam a
chamar-lhes agora as _horisontaes_. A trajectoria do nome indica bem a
decadencia de um genero, que nem desaconselhamos nem aconselhamos a
ninguem.

Diremos apenas que, economicamente, a cocotte representa no equilibrio
social o mais importante beneficio. Ella e o apparelho dispersor do
dinheiro, da influencia e da auctoridade, que o agiota condensa. Se a
cocotte nao desgregasse o agiota, o agiota englobaria em si o universo.

De tempos a tempos la surge no horisonte um filho-familia, desolhado,
casposo e de unhas roidas, a queixar-se aos caixeiros sentimentaes e as
burguezas romanticas de que uma d'essas mas mulheres o trahiu e o
abandonou, a elle, alma enthusiastica e pura de poeta pobre, a qual a
perfida preferiu os joanetes de um banqueiro rico.

Se ellas nao tivessem o sublime bom senso de produzir periodicamente
algumas choradeiras d'esta ordem, veja vossa alteza em que linda posicao
social que ficavam para a velhice os filhos-familias que se apaixonam
por essas damas e que em nome da poesia lyrica se julgam no direito de
ficar ao pe d'ellas para toda a vida!

Bem estamos vendo d'aqui o snr conselheiro Viale velando as faces
horripilado perante, este genero de conversacao. E certo porem que, se
d'este mesmo assumpto Homero nao houvesse feito um poema, o mesmo snr
pudico Viale nao teria hoje a _Illada_ para n'ella dar licoes a vossa
alteza.

Para os reis insalubres, productos de velhas racas nobres,
aristocratisadas de mais e cahidas em languor pelo derramamento
excessivo do azul no sangue, sao frequentemente utilissimas as mulheres
da categoria a que nos estamos referindo ...

(O snr Martens Ferrao contorce-se ao escutar-nos. Se s. ex.ª se acha
incommodado, e talvez melhor retirar-se, porque nos temos de continuar
ainda por um momento. E quando voltar que s. ex.ª traga comsigo a
_timbale d'argent_. Vossa alteza reclama-a. Que lh'a deem!)

A gloria do reinado de Luiz XV, por exemplo, vem toda da Pompadour. Se
essa elegante e espirituosa mulher nao tivesse feito ao rei de Franca a
alta honra de ser por algum tempo sua conviva, uma multidao enorme de
coisas encantadoras, que enobrecem a civilisacao moderna, nao teriam
jamais vindo ao mundo. A essa ligacao, providencial para a arte, devemos
hoje os deliciosos retratos de Latour, o fino genero pastoril de
Watteau, as _pates tendres_ de Sevres, as mimosas estatuetinhas de Saxe,
os mais lindos relogios e os mais graciosos canapes do mundo.

Da gloriosa protectora e mestra de Luiz XV dizia Voltaire:--_Elle est
des notres!_

Ha fortes probabilidades para crer que de nenhum dos mestres de vossa
alteza elle dissesse outro tanto.

Vossa alteza vae ponderar talvez que e bem destituida de grandeza,
vulgar e corriqueira de mais, a existencia a que o introduzimos ...

Ai de nos! a vida e em realidade assim, magnanimo senhor!

Ninguem e grande nem pequeno n'este mundo pela vida que leva, pomposa ou
obscura, solta ou aperreada. A categoria em que temos de classificar a
importancia dos homens deduz-se do valor dos actos que elles praticam,
das ideias que diffundem e dos sentimentos que communicam aos seus
similhantes.

E binaria a natureza de todo o homem superior. Metade d'elle pertence ao
ramerrao passageiro de cada dia; a outra metade pertence ao ideal eterno
de um mundo mais perfeito, em cuja obra cada um collabora procurando
tornal-o, na orbita da sua aptidao pessoal, ou mais justo, ou mais rico
ou mais bello.

Assim, cada um tem em si, superior a todas as torpesas da terra,
impolluta, inviolavel e sagrada, a mystica torre eburnea em que habita a
aspiracao immortal do espirito do homem.

E preciso amar, meu senhor. Eis ahi tudo.

E preciso amar fora da esphera de todos os interesses pessoaes creados
pela sociedade de que fazemos parte e estabelecidos pelo estado, pela
profissao ou pela gerarchia. E preciso amar pela abnegacao e pelo
sacrificio de tudo para se chegar a ser alguma coisa. E preciso amar uma
ideia, uma propensao da sociedade, um intuito da naturesa, uma expressao
da arte, ou simplesmente e unicamente uma mulher, como as amou Musset,
Lord Byron, Shakspeare ou Petrarca, afim de sahir fora da massa obscura
do vulgo, e ser um homem.

Ame pois vossa alteza, e deixe correr o mundo!

Nao ha hoje em dia educacao especial para o officio de rei nem para
outro qualquer officio. Ha uma instruccao geral e ha uma instruccao
technica para cada modo de vida. A educacao essa e una e indivisivel.

Em todo o estado e em toda a condicao social o homem bem educado e um
homem superior. O homem sem educacao, por mais alto que o colloquem,
fica sempre um subalterno.

No regimen de liberdade e de iniciativa, em que comecam agora a viver as
sociedades contemporaneas, a lei da concorrencia absorve tudo, e os reis
mais solidamente equilibrados nos seus thronos nao sao senao os homens
mais perfeitamente equilibrados na vida geral. Veja vossa alteza os
moles principes dos reinos da Italia, que o avo materno de vossa alteza
unificou, como em tao pouco tempo desappareceram todos, sepultados nas
trevas de um silencio tragico! Compare-os com os reis, tao fortemente
instruidos, das pequenas nacoes confederadas da Allemanha, e pondere
como estes persistem na tradicao e na continuidade historica!

Portanto, e em conclusao:

Para dar ao throno portuguez um bom rei, pense vossa alteza em dar na
sua pessoa a patria um cidadao instruido; a humanidade um homem justo; a
natureza um sadio e valente animal.

A seus paes, aos seus mestres e a sua corte, e doloroso mas e
indispensavel que vossa alteza de egualmente aquillo que lhes
deve:--desgostos!

Esquecia-nos tocar n'uma questao secundaria, mas opportuna: a questao
dos meios, na previsao de que, perante a fuga de vossa alteza, o, snr
Nazaretb delibere cortar-lhe os viveres.

N'este ponto, como em tudo o mais, _As Farpas_ estao a disposicao de
vossa alteza. Ainda uma linha pelo telegrapho a esta redaccao, e nos
abriremos desde logo para o fim de occorrer, em nome da justica e do bom
senso, as despesas da livre viagem de vossa alteza na Europa, uma
subscripcao nacional.

Poderiamos consagrar aqui algumas consideracoes as vantagens economicas
que n'esta conjunctura teria para vossa alteza a posse de um officio.
Desde este momento porem a nossa attitude de banqueiros de vossa alteza
poe em nosso labio o sello da reserva.

Faremos fervorosos a subscripcao.

O snr Brazza ainda ultimamente fez uma outra em favor do rei Macoco, e
tirou consideraveis resultados. Ora vossa alteza nao e menos do que
Macoco, e nos somos mais do que Brazza. Porque esse sujeito so o outro
dia e que descobriu o Congo, e veio com isso para os jornaes e para as
revistas, como com o mais rendoso achado d'este mundo; ao passo que nos
somos os descendentes d'aquelles que ha alguns centos d'annos
descobriram esse mesmo Congo, e--como vossa alteza sabe
perfeitamente--nunca o mandamos botar a folha! Aos pes de vossa alteza.

_Ramalho Ortigao_.








End of the Project Gutenberg EBook of As Farpas (Junho 1883)
by Ramalho Ortigao, Eca de queiroz

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